Mais de 90% do valor que os empresários
da Guiné-Bissau ainda devem a dois bancos do país, dívida que o Estado
"comprou" em 2015, já têm acordos de regularização, disse o
presidente do Banco Africano Ocidental.
"Ao fim de um ano já se devolveram
23% desses créditos; o simples facto de termos impedido o desaparecimento das
empresas já permitiu entregar ao Estado 23% do crédito recebido e, do restante
que falta pagar, em 90% dos casos já há acordos de regularização, que deverão
chegar aos 100%", anunciou Diogo Lacerda à Lusa.
Em declarações proferidas à margem de
uma conferência sobre a Guiné-Bissau, em Lisboa, Diogo Lacerda explicou que
"o que se passou não foi um resgate financeiro, nem um 'bail-out' nem um
'bail-in'; o que aconteceu foi uma operação financeira que permitiu salvar a
maioria dos empresários da Guiné-Bissau da falência, não os bancos".
Salientando que os acionistas do BAO, o
maior banco a operar no país, "até já tinham acordado realizar uma
operação de aumento de capital para acomodar as perdas no balanço", Diogo
Lacerda deixou críticas também aos outros dois bancos internacionais que operam
no país, "que não tiveram uma operação semelhante porque não fazem
empréstimos, limitando-se a recolher depósitos num país pobre como a
Guiné-Bissau para depois financiarem a atividade económica noutros países
africanos".
"Os bancos envolvidos foram o BAO e
o Banco da União; foram estes dois e não os quatro porque os outros dois não
davam crédito, e não dando crédito não tinham incumprimento; e ao não dar
crédito não estavam a cumprir a função de intermediação financeira",
criticou o banqueiro.
Para Diogo Lacerda, a operação lançada
pelo Governo em 2015 de cedência parcial de crédito e de financiamento ao
Tesouro foi essencial para impedir o colapso do país no seguimento do golpe de
Estado, em 2012.
"O dia escolhido para o golpe de
Estado foi o pior possível, porque nessa quinta-feira, 12 de abril, era o dia
de maior exposição dos empresários à campanha do caju; era o último grande dia
de desembolsos para poderem comprar às populações para depois entregar aos
exportadores internacionais, principalmente indianos", recordou.
"A economia da Guiné-Bissau ia
simplesmente acabar porque os dois bancos teriam de executar a dívida dos
empresários, confiscar os ativos e a própria comissão bancária sabia que era um
absurdo, porque íamos matar todos os empresários porque nenhum tinha capacidade
para pagar de volta", continuou.
"Houve então uma cedência [ao
Estado] de créditos não cumpridos por causa do golpe de Estado, o que permitiu
retirar os empresários da situação de incumprimento irreversível e permitiu
voltar a usar os ativos que estavam a ser retirados, recuperando e voltando a
dar outra vez crédito a partir dessa operação financeira", concluiu.
Questionado sobre o ponto de situação
dessa operação, que o Fundo Monetário Internacional (FMI) considera um obstáculo
ao reinício da ajuda financeira ao país, Diogo Lacerda sublinhou que "a
operação não foi um serviço feito aos bancos, do ponto de vista do balanço era
neutro" e defendeu que "a operação foi feita pela perceção que se
tinha da importância decisiva para pôr a economia novamente a funcionar, porque
senão ia haver fome e aí sim, um problema gravíssimo do ponto de vista social
como até hoje nunca houve".
Questionado sobre os efeitos da reversão
da operação de cedência de créditos, referida frequente como resgate a estes
dois bancos, Diogo Lacerda respondeu: "Não se percebe muito bem como isso
pode ser feito, mas era para o FMI retomar o financiamento" ao abrigo de
mecanismos de apoio às finanças públicas -- que obrigam ao cumprimento de
rácios financeiros.
"Mas a pergunta que faço é: quanto
é que o FMI vai desembolsar? São 6 ou 7 milhões de dólares de um total de 23
milhões. Não chega para coisa nenhuma, não dá para regularizar o que está
atrasado. Do ponto de vista do funcionamento do país, diria que não sei se vale
a pena ter finanças públicas sãs e o povo a morrer de fome".
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