quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Guiné-Bissau, Para quando a justiça?

Por, Assana Sambú
No “Odemocrata”

É curioso constatar que ultimamente os discursos de dirigentes nacionais sobre a governação incidem mais sobre os aspetos económicos, financeiros, as reformas no setor da defesa e segurança, na administração pública, a campanha da prevenção contra a Ébola, o pagamento de salários aos funcionários públicos, o relançamento de projetos agrícolas, etc.

Apesar da importância desses temas, não deixa de ser preocupante a ausência da problemática da justiça da agenda das novas autoridades. Pelo menos, na prática não se vê a estratégia em curso para a afirmação da justiça no país. No programa do governo recentemente aprovado no Parlamento, a questão da justiça não integra a lote das prioridades do executivo liderado por Domingos Simões Pereira. As três fases do programa de quatros anos, nomeadamente a infraestruturação, a agro-industrialização e o desenvolvimento urbano, são eixos importantes para impulsionar o país para órbita do crescimento económico e consequentemente a redução da pobreza a médio-prazo.

Todavia, tendo em conta a vulnerabilidade das instituições de Estado guineense, é imperativo que haja uma visão clara para a refundação urgente do aparelho judicial guineense, fator determinante do sucesso nas outras áreas de governação. Caso contrário, corremos riscos de vestir a mesma “sabedora” de ilusão de ontem na mesma trajetória falhada.

Como alcançar o crescimento económico num país onde os agentes económicos não pagam impostos, numa cumplicidade com os próprios dirigentes das instituições do Estado? Como falar da política laboral se a Lei geral de Trabalho em vigor data-se da década de nascimento da maior parte dos quadros jovens guineenses? Ou como incentivar mais investimentos estrangeiros se as empresas são roubadas e os infratores andam a solta nas vias públicas, mesmo depois da leitura da sentença? Como chegar ao desenvolvimento aceitável num país onde as pessoas não têm o medo de desviar o bem público? É possível dar um salto qualitativo rumo ao progresso sem que haja uma mudança de paradigma assente em conformismo, clientelismo, e nepotismo, para um paradigma nutrido na filosofia de prestação de contas na gestão da coisa pública através da aplicação das leis?

É necessário criar condições técnicas e estruturais com base numa estratégia clara de realização da justiça neste país, mesmo que isso passe pela instituição de Comissão, Verdade e Reconciliação. O imperativo é que haja plano que conduza à justiça. A nomeação de magistrados competentes para cargos importantes, como foi caso do Hermenegildo Pereira, é importante, mas não basta. É preciso uma estratégia abrangente.

Seria pura ilusão pensar que esta terra se desenvolverá por milagre. O progresso, edificado no bem-estar colectivo, resultar-se-á da cultura da responsabilização dos gestores dos patrimónios públicos e um dos mecanismos da efetividade dessa responsabilização é a justiça no seu sentido punitivo e reabilitador. Face ao cúmulo da desordem associada à cultura da impunidade reinante, o nosso país tem que investir na justiça.

A nossa convicção, e esperemos que seja a de muitos guineenses, é que a justiça não se faz com discursos mas sim com um investimento sério do Estado.


Tenhamos a coragem de mudar o rumo da nossa justiça através de estratégia que reflicta a realidade complexa da nossa histórica.

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