No “Odemocrata”
É curioso
constatar que ultimamente os discursos de dirigentes nacionais sobre a
governação incidem mais sobre os aspetos económicos, financeiros, as reformas
no setor da defesa e segurança, na administração pública, a campanha da
prevenção contra a Ébola, o pagamento de salários aos funcionários públicos, o
relançamento de projetos agrícolas, etc.
Apesar da
importância desses temas, não deixa de ser preocupante a ausência da
problemática da justiça da agenda das novas autoridades. Pelo menos, na prática
não se vê a estratégia em curso para a afirmação da justiça no país. No
programa do governo recentemente aprovado no Parlamento, a questão da justiça
não integra a lote das prioridades do executivo liderado por Domingos Simões
Pereira. As três fases do programa de quatros anos, nomeadamente a
infraestruturação, a agro-industrialização e o desenvolvimento urbano, são
eixos importantes para impulsionar o país para órbita do crescimento económico
e consequentemente a redução da pobreza a médio-prazo.
Todavia, tendo
em conta a vulnerabilidade das instituições de Estado guineense, é imperativo
que haja uma visão clara para a refundação urgente do aparelho judicial
guineense, fator determinante do sucesso nas outras áreas de governação. Caso
contrário, corremos riscos de vestir a mesma “sabedora” de ilusão de ontem na
mesma trajetória falhada.
Como alcançar o
crescimento económico num país onde os agentes económicos não pagam impostos,
numa cumplicidade com os próprios dirigentes das instituições do Estado? Como
falar da política laboral se a Lei geral de Trabalho em vigor data-se da década
de nascimento da maior parte dos quadros jovens guineenses? Ou como incentivar
mais investimentos estrangeiros se as empresas são roubadas e os infratores
andam a solta nas vias públicas, mesmo depois da leitura da sentença? Como
chegar ao desenvolvimento aceitável num país onde as pessoas não têm o medo de
desviar o bem público? É possível dar um salto qualitativo rumo ao progresso
sem que haja uma mudança de paradigma assente em conformismo, clientelismo, e nepotismo,
para um paradigma nutrido na filosofia de prestação de contas na gestão da
coisa pública através da aplicação das leis?
É necessário
criar condições técnicas e estruturais com base numa estratégia clara de
realização da justiça neste país, mesmo que isso passe pela instituição de
Comissão, Verdade e Reconciliação. O imperativo é que haja plano que conduza à
justiça. A nomeação de magistrados competentes para cargos importantes, como
foi caso do Hermenegildo Pereira, é importante, mas não basta. É preciso uma
estratégia abrangente.
Seria pura
ilusão pensar que esta terra se desenvolverá por milagre. O progresso,
edificado no bem-estar colectivo, resultar-se-á da cultura da responsabilização
dos gestores dos patrimónios públicos e um dos mecanismos da efetividade dessa responsabilização
é a justiça no seu sentido punitivo e reabilitador. Face ao cúmulo da desordem
associada à cultura da impunidade reinante, o nosso país tem que investir na
justiça.
A nossa convicção,
e esperemos que seja a de muitos guineenses, é que a justiça não se faz com
discursos mas sim com um investimento sério do Estado.
Tenhamos a
coragem de mudar o rumo da nossa justiça através de estratégia que reflicta a
realidade complexa da nossa histórica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.