quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Pan-africanismo e a realidade africana


"Resolvemos ser livres; povos colonizados e subjugados do mundo inteiro, uni-vos”.
 As origens do Pan-africanismo

Apesar de elencar como uma de suas prioridades a união entre os diferentes países africanos, a ideia de união pan-africana não nasceu no continente negro. Aliás, teve sua origem muito longe: no continente americano. Um de seus principais líderes foi Sylvester Willians, um advogado de Trinidad que conseguiu organizar a Primeira Conferência Pan-Africana em 1900, na cidade de Londres. Essa conferência teve como objetivo primordial a criação de um movimento que gerasse um sentimento de solidariedade com relação às populações negras das colônias. Sylvester Willians era um dos vários intelectuais negros da região do Caribe e sul dos Estados Unidos que juntos buscavam uma condição mais digna para as populações negras das áreas colonizadas.

Uma das primeiras resoluções dessa conferência realizada em Londres foi em defesa dos negros da atual África do Sul que estavam sofrendo com o confisco de terras por parte de ingleses e de descendentes de holandeses (africânderes).

Outro líder importante nos primórdios do pan-africanismo foi Burghart Du Bois, que fundou a Associação Americana para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP) e, em seguida, organizou o Primeiro Congresso Pan-Africano em Paris, no ano de 1919.

Já em 1945, outro líder de Trinidad organizou na cidade de Manchester o V Congresso Pan-Africano, no qual foi aprovado um lema que mostrava bem o objetivo do movimento: “Resolvemos ser livres; povos colonizados e subjugados do mundo inteiro, uni-vos”.

A partir desse congresso tais ideias já criavam raízes e eram adotadas por vários líderes que viviam em território africano, sejam eles políticos ou intelectuais, que as colocariam em prática, numa luta em geral sangrenta contra os até então poderosos impérios colonialistas europeus, em especial França e Inglaterra. Entre esses novos líderes, destacam-se: Jomo Kenyatta (Quênia), Peter Abrahams (África do Sul), Hailé Sellasié (Etiópia), Namdi Azikiwe (Nigéria), Julius Nyerere (Tanzânia), Kenneth Kaunda (Zâmbia) e Kwame Nkrumah (Gana).

Pan-africanismo e a realidade africana

Nos congressos e conferências pan-africanas, a ideia de união foi discutida e se encaixava perfeitamente nas necessidades de independência e de liberdade dos povos africanos subjugados pelos europeus. Porém, com o tempo e com as independências que passaram a ocorrer, outros interesses vieram à tona, dificultando as relações entre os próprios governos recém-independentes.

Nesse contexto, o VI e o VII Congresso Pan-Africano — realizados, respectivamente, nas cidades de Kumasi (1953) e Accra (1958) — foram reuniões nas quais as divergências fizeram surgir duas vertentes bem distintas do pan-africanismo: o Grupo Casablanca e o Grupo Monrovia.

O primeiro (Casablanca), liderado por Kwame Nkrumah, de Gana, era composto por Egito, Marrocos, Tunísia, Etiópia, Líbia, Sudão, Guiné-Conacry, Mali e o Governo Provisório da República da Argélia. Defendeu a ideia de que no final deveria ser formada uma nova instituição política e nacional: os Estados Unidos da África, que superaria as divisões e fronteiras criadas artificialmente pela Conferência de Berlim de 1885. O sonho dessa vertente era fazer do continente negro um ator importante no cenário mundial, pois unindo a África política, econômica e militarmente esse objetivo seria certamente alcançado.

Já para o grupo Monrovia, que tinha como liderança principal o presidente da Costa do Marfim, Félix Houphouet Boigny, as fronteiras determinadas pela Conferência de Berlim eram intocáveis, pois cada país tinha o direito à autodeterminação e à soberania sobre seu próprio destino. Esse grupo também foi responsável pela fundação, em 1963, de uma das principais entidades de organização africana: a OUA — Organização da Unidade Africana.

Nenhum dos dois grupos atingiu seus objetivos, muito pelo contrário. O nacionalismo africano, assim como o pan-arabismo, praticamente se restringiu à retórica de seus líderes.

O Pan-africanismo hoje

Diante dos fracassos da OUA e da ideia de formação dos Estados Unidos da África, surgiu, em julho de 2001, a União Africana, cujas estruturas burocrático-administrativas e decisórias em muitos aspectos se assemelham às da União Europeia.

Cabe aos países-membros da União superar as dificuldades de estruturação da nova entidade e tirá-la do papel e das meras intenções políticas, concretizando ferramentas que realmente possam contribuir para que a África supere suas dificuldades econômicas, políticas e sociais e avance para uma cooperação realmente coletiva entre seus países.

Entre essas questões, destacam-se algumas: que tipo de entidade/organização poderia intervir em situações de crimes humanitários ou guerras? Haverá um dispositivo militar à disposição diretamente da União Africana? Haverá instituições de fomento semelhantes ao FMI, BID ou outra forma de contribuir para o desenvolvimento dos países?

Quando os africanos decidirem algumas dessas questões e outras que estão no caminho, certamente a trilha do pan-africanismo será mais facilmente percorrida e talvez chegue a condições até inimagináveis pelos pais do pan-africanismo do outro lado do Atlântico.


Por, Dr. Wilkinne

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