Na cimeira de Pequim, chineses e americanos defendem
parcerias comerciais distintas, que espelham a sua rivalidade no Pacífico.
Houve também um tímido “degelo” entre chineses e japoneses.
A abertura da cimeira do Fórum para a Cooperação
Económica da Ásia-Pacifico (APEC), em Pequim, foi marcada por um gesto
diplomático, à margem da reunião: um discreto aperto de mão entre Xi Jinping,
Presidente da China, e Shinzo Abe, primeiro-ministro japonês. Pequim montou
para os 21 chefes de Estado e governo presentes um cenário sem precedentes
desde os Jogos Olímpicos de 2008, projectando uma imagem de potência grandiosa,
“limpa” e em imparável ascensão. O céu de Pequim estava azul: para diminuir a
poluição, foram encerradas fábricas e o tráfego automóvel reduzido ao mínimo.
Barack Obama, que procura salvar o seu “pivot para a
Ásia”, faz um grande investimento político nesta reunião. Mas, para a
generalidade dos observadores, a “dispersão” da política externa americana e a
derrota dos democratas nas eleições de há uma semana, fazem com que, aos olhos
da China, ele apareça como um líder enfraquecido. O que alarga a margem de
manobra de Xi.
Na APEC, decide-se por consenso. Não é uma organização
puramente comercial, mas também política. As discussões bilaterais à margem da
cimeira são tão importantes como o debate em conjunto. No plano económico,
estavam na mesa três grandes projectos, que não têm apenas uma dimensão
comercial mas geopolítica.
Os EUA propõem uma Parceria Trans-Pacífico (TPP) para
acelerar a liberalização do comércio e do investimento entre os países
asiáticos e a América do Norte. Tem a oposição de Pequim que, não fazendo parte
do projecto TPP, defende uma Zona de Comércio Livre para a Ásia e Pacífico
(FTAAP) que, além do comércio, envolveria um imenso plano de infra-estruturas —
uma nova “Rota da Seda”.
Os americanos discordam da FTAAP e os japoneses
levantam objecções à TPP, por se oporem à abertura dos mercados agrícolas. Por
sua vez, os países do Sueste Asiático (ASEAN) defendem uma Parceria Económica
Global e Regional (RCEP) que, além da sua região, englobaria a China, o Japão e
a Índia.
No domingo, Xi assinou com Vladimir Putin um acordo
para fornecimento de gás no valor de 400 mil milhões de dólares. Nesta
segunda-feira, assinou um acordo de comércio livre com a Coreia do Sul. A
cimeira termina terça-feira e foi o primeiro acto duma maratona diplomática.
Obama, Xi e Abe reencontram-se nos dias 12 e 13, na cimeira da ASEAN em Myanmar
(Birmânia) e, depois, a 15 e 16, na cimeira do G-20, na Austrália.
Xi
e Obama
A APEC é composta por 21 Estados, da Austrália ao Peru.
Representa 40% da população mundial, 44% do comércio mundial e 50% do PIB
mundial. Mas o comércio não é tudo. A tensão no Mar do Sul da China preocupa
toda a região.
As relações entre a China e o Japão têm sido marcadas
por uma perigosa tensão desde 2012, a querela sobre as ilhas Senkaku (Diaoyu
para a China) que se ameaça transformar numa “guerra fria” asiática. A última
cimeira entre os líderes dos dois países remonta a Dezembro de 2012. Pequim
tinha interesse em não “estragar” a cimeira, mas foi necessário um “milagre
diplomático” à última hora para se encontrar um acordo sobre o começo da
normalização das relações entre os dois países, que reconhecem ter “diferentes
opiniões” sobre o diferendo. Simbolicamente, Xi fez esperar Abe e o aperto de
mão não foi caloroso.
No seu discurso, Obama defendeu o TPP. Falou de
direitos humanos, da liberdade de imprensa e da Internet, de Hong Kong, do
ébola e do terrorismo internacional. Fez ao mesmo tempo um “discurso de charme”
aos asiáticos e, em especial, a Pequim. “Os Estados Unidos são decididamente
uma nação da região do Pacífico. O nosso futuro, a nossa segurança e a nossa
prosperidade estão indissociavelmente ligadas à Ásia. (...) Saudamos a
emergência da China, uma China próspera, pacífica e estável.”
Escrevia no Financial Times o analista Edward Luce a
propósito das relações sino-americanas: “À excepção da Coreia do Norte, os
vizinhos da China clamam por uma mais forte presença dos EUA na região. (...)
Mas o resto do mundo e a China em particular olham Obama sob uma luz diferente
— um líder fraco, no Outono da sua presidência. Os observadores da China
assinalam que o fervente activismo de Xi, desde que assumiu o poder, foi incentivado
pela ideia de que Obama tem pouco tempo à frente.” Tentará aproveitar esta
conjuntura para marcar pontos na Ásia.
@publico
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