Por, Dr. Ricardino Jacinto Dumas
Teixeira
“Os verdadeiros líderes devem estar dispostos
a sacrificar tudo pela liberdade de seu povo” (Nelson Mandela).
1. Não podemos garantir a estabilidade por
uma utopia de “pacto” de inclusão partidária, que se mostrou sustentável, do
ponto de vista de “gestão do poder”, mas insuficiente no campo da estabilidade
política real. A predominância de quedas do governo na Guiné-Bissau coloca
desafios à estabilização do “pacto de estabilidade interpartidário”, apesar do
desejo político evidenciado entre principais atores dos partidos políticos em
concretizar o pacto.
2. Pacto de “estabilidade interpartidário”
não se confunde com a “estabilidade governativa de um pacto” ou de um país, bem
como o desejo de reformas estruturais. O desejo do “pacto interpartidário” é
irreal, pois há que considerar as correlações de forças internas e suas
articulações externas, regionais e internacionais” frente aos desafios das
diversidades de interesses difusos, articulados internamente pelos principais
membros da elite do poder político.
3. Pacto de “estabilidade governativo”
pressupõe mudanças profundas na sociedade política, não só no sistema
partidário. O pacto faz-se com ações de engajamento ético, prática de gestão
pública de Estado e maior comprometimento político com a sociedade civil.
4. “Pacto de estabilidade” entre principais
forças políticas para gestão do poder político, centrado no partido, não gera,
necessariamente, o pacto da consciência política nacional sobre a necessidade
de mudança estrutural que se coloca na atualidade. Essa diferenciação pode não
ser percebida de imediato e nem considerada relevante, porquanto o percentual
de confiança entre lideranças, partidos políticos e as organizações da
sociedade civil continua baixíssimo.
5. “Prestação de conta” é outro termo que
entrou no abecedário da elite política dos partidos políticos guineenses. Soube
que há um manual sobre a prestação de conta, financiando pela UE/ONU, mas que
ninguém pratica. Prestação de conta não é um ato partidário. É uma prática de
gestão e política pública do Estado nas suas diferentes relações com a
sociedade e com as instituições em geral;
6. O problema de Guiné-Bissau não é a
ausência de entendimento legal sobre a necessidade de “prestação de conta”,
inclusive, dos partidos políticos constituído. O problema do país é a sua
negação, porquanto a prestação de conta não paga despesas com prestação de
amizade, inclusive prestações familiares e partidários, como a falta de ética,
responsabilização, individual e coletiva, trabalho duro e a política de
reconhecimento e de acesso aos bens socioculturais para a maioria da população,
sem garantia de “fidelidade partidária” e da “possibilidade de emprego” fora da
lógica política tradicional.
7. Inclusão interpartidária” é um instrumento
de exclusão política. Na Guiné Bissau os políticos sabem que todo processo de
inclusão gera a exclusão, pois nem todos podem ser incluídos na estrutura de
poder. Todavia, falar em inclusão é a forma mais eficiente de excluir a
participação coletiva pela elite política local. A “inclusão” é um mito.
8. O mito de inclusão acaba por gerar a
percepção errada de que todos têm capacidade de governar, ou a percepção errada
de que só os que têm “sentido de Estado” podem assumir o Estado. Os conflitos
proliferam porque não se discute o “sentido” que a elite política tem do
Estado, do partido, do governo e da sociedade civil, gerando o aumento da
instabilidade institucional e conflitos internos misturados com Golpes de Estado,
armado ou “parlamentar”.
9. Isto porque há um legue enorme de
“sentidos de Estado” que “perdeu sentido”, há mais de 43 anos da independência
sem a liberdade e estabilidade coletiva e individual dos cidadãos. Os chamados
intelectuais adotaram o caminho mais fácil: a ênfase no papel do “mérito” na
manutenção da lógica hegemônica, daqueles mais “dedicados”, mais bem “possuídos
intelectualmente” ou “mais capazes” tecnicamente e burocraticamente para
assumir o Estado.
10. Acontece que o país herdou a herança
negativa de “Doutor” sem “Doutoramento”, de pessoas que lutam para atingir o
topo da hierarquia porque frequentou Universidade na Europa, bem como de
pessoas que atingiram o “Doutoramento” sem serem “Doutores”.
11. Na Guiné-Bissau a meritocracia se transformou
no domínio de uma língua estrangeira: inglês, francês ou português, línguas do
poder estatal e do “partido de governo”, mesmo não sendo compreendidas pelos
líderes partidários, pela sociedade civil e pela elite governamental, sendo a
forma pela qual os intelectuais ou “quadros” reclamam reconhecimento e o
conhecimento de articulação no “mundo dos globalizados”. Acontece poucos
utilizam a língua do colonizador para melhorar a qualidade de vida nos seus
países.
12. Outro ponto é o “mito de autores
externos” como únicos capazes de garantir a estabilização do pacto. A
contradição que se evidenciou durante o processo de negociação em Conacri foi o
entendimento de que as lideranças nacionais são incapazes de garantir a
estabilidade, mas os agentes externos insistem que tais elites devem encontrar
uma saída pactuada para a crise, que consiste na formação do novo governo de
inclusão interpartidário. Incluir o quê? Incluir quem? Porquê? Como incluir sem
excluir?
13. Não fica claro o que os “agentes globais”
entendem por inclusão. Outra contradição à vista de todos é o fato de que os
“agentes globais” patrocinam políticas de inclusão de partidos e lideranças
partidárias, como forma de garantir supostamente a “estabilidade”, mas
legitimam políticas de golpes de Estado.
14. No conflito militar e político, de 1998,
envolvendo a Junta Militar, com apoio de alguns países, e o ex-presidente João
Bernardo Vieira, com o apoio de outros, articulando autores regionais e globais
e nacionais, inclusive a mediação das Agências Internacionais e a participação
de líderes partidários, é paradigmático e sintomático dessa forma de fazer
política.
15. A fragilidade política dos partidos
políticos e suas lideranças, das organizações formais da sociedade civil que,
na maioria dos casos, também não tem um projeto de sociedade, que pudesse
maximizar o campo político, possibilitando novas alternativas locais, torna o
caminho da democracia mais difícil de ser alcançado.
16. A educação seria uma saída? Em parte,
sim, mas ela pode servir de mecanismo de reprodução de desigualdades entre
aqueles que “são do partido” e àqueles que são “contra o partido”. Isto porque
a história de Guiné-bissau, infelizmente, até hoje, tem sido a “história do
partido” que esteja no governo, mas sem projeto.
17. O partido é tudo. O Estado continua sem
autonomia da administração pública que pudesse contribuir na estabilização
institucional e na separação de funções entre cidadãos e militantes do partido,
entre empresários e políticos, entre civis e militantes, entre presidente e
governo. Em suma, entre Estado e partido.
18. Na Guiné o Estado, os aparelhos
administrativos estatais vem perdendo autonomia em relação ao aparelho
partidário e “grupos econômicos”, “empresários do partido”, que utilizam a
máquina pública para maximizar o lucro econômico e político no âmbito do
Estado. No plano cultural, essa relação acaba por maximizar a disputa no campo
religioso e étnico, sobretudo, em momentos de crise política, em que os
políticos impõem necessidades que precisam ser satisfeitas, via realização de
eleições, como forma de assumir e manter no poder, em troca da sobrevivência
dos que não conseguem sobreviver por mais de 45 anos de vida. Na realidade a
instabilidade e a pobreza são instrumentos do exercício de poder e da
reprodução de grupos políticos, partidários e sociais na Guiné.
19. Não é por acaso que o debate acadêmico e
político em torno de possíveis modelos de desenvolvimento, do direito e da
economia, fica centrado no partido que esteja no poder. Portanto o “pacto
possível” em Conacri é irreal porque meramente partidário. Não atinge questões
substantivas da realidade política no atual desejo de transformação da prática
política no país. É mais uma ficção.
20. Para pensar Guiné-Bissau na atualidade é
preciso ir além de uma política meramente pactuada e assim a estabilidade
política passa a ser percebida como uma questão que envolve estudos e
pesquisas, a partir da produção dum conhecimento crítico e autônomo sobre a
“estabilidade”, “prestação de conta”, “equilíbrio institucional”, que envolve a
cultura, a política, o direito e a qualidade de vida dos guineenses. Isto
faz-se com o debate público, responsável e autônomo, daí a importância do
pluralismo.
21. É preciso olhar a Guiné-bissau a partir
de dentro, sem desconsiderar as sugestões de “agentes globais”, buscando de
alguma maneira compreender quais as condições sociais, políticas,
constitucionais e institucionais, econômicas e culturais garantem o sucesso de
uma consolidação democrática ou de um pacto, após um longo período de conflito
interno e sucessivos golpes militares.
22. Também é preciso compreender, no decorrer
da história política do país, os diversos “sentidos de Estado”, particularmente
no campo institucional e em especial na esfera sociopolítica como uma questão
que envolve o direito constitucional e relações interinstitucionais, mas que
não se restringe ao constitucionalismo.
Conclusão
Isto porque hoje, na Guiné-Bissau, falar de
Estado Democrático, do direito, da sociedade civil e da política impõe a
necessidade de ampliação e debate sobre as percepções de tais “organismos” em
todas as esferas da vida social. As observações, apresentadas nestes vinte dois
pontos, articulados, de forma modéstia, me leva a considerar que a
instabilidade política crônica é colocada como problemas constitucionais, do
ponto de vista meramente jurídico.
Muitos ainda acreditam que o problema de
Guiné-Bissau se resume numa palavra: reforma constitucional e eleitoral. Muitos
acreditam que o problema de desenvolvimento social, político, golpes de estados
e das desigualdades econômicas, no campo e na cidade, são questões a serem
resolvidas pela “separação dos poderes” agregado ao constitucionalismo que, por
si só, garantiria o sucesso do jogo democrático. E isso constitui uma das
fragilidades do debate político e acadêmico.
Essa incompreensão recolocou, no encontro de
Conacri e no debate acadêmico e político, na atualidade, a contradição entre o
desejo de mudança e a realidade política motivada pela tentativa de
homogeneização da política e institucionalização do “pacto” como “pensamento
único”, inclusive sobre o sentido da governabilidade.
Sonho com o dia em que todos se compreenderão
o que torna possível a vida em sociedade não é o capitalismo sem capitalistas,
não é riqueza sem trabalho, não é o “sentido de Estado” sem “sentido da prática
política”, não é democracia sem democratas, não são maiorias sem minorias, não
é supremacia do partido sobre a sociedade, mas de um partido e de um Estado
para a sociedade civil, não é o pacto de estabilidade sem referência para o
debate nacional, pois sem o debate público não há liberdade e justiça.
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