Por, Pedro Correia
Nos dias que correm, qualquer assassino
torna-se uma celebridade instantânea. Quanto mais repugnante é o crime
praticado - seja o de Orlando, seja o de Nice, seja o de
Saint-Etienne-du-Rouvray - mais garantida está a fama mediática dos criminosos.
A besta norueguesa que matou 77 pessoas em
2011 tem honras de wikipédia, o homicida da deputada trabalhista britânica Jo
Cox recebe mais espaço na imprensa do que um galardoado com o Nobel, o atirador
sanguinário que matou nove seres humanos em Munique é tratado por "jovem" ou "rapaz" por parte dos nossos
benevolentes órgãos de informação - quase como se a chacina na capital da
Baviera fosse uma espécie de rave party.
Começamos a ficar tão indiferentes que a
existência de nove cadáveres já nos parece um número irrelevante.
O tratamento jornalístico do terrorismo abusa
de dois males simétricos: confere projecção global a quem dispara, mata, fere,
mutila e viola - favorecendo comportamentos miméticos de um incontável número
de potenciais assassinos sequiosos dos seus 15 minutos de fama - enquanto
silencia os nomes e esconde os rostos das vítimas. Como se elas nos
envergonhassem.
O New York Times procedeu ao contrário: em
vez de esmiuçar a biografia dos homicidas, farejar putativos
"traumas" que os colocaram na senda do crime ou indagar supostas
"questões sociais" como causa justificativa dos morticínios, o
excelente diário norte-americano rompeu o tabu, falando dos mortos.
Quem eram, como se chamavam, que sonhos
perseguiam, porque estavam à hora errada no local errado. Em paragens tão
diversas como Bruxelas, Istambul, Lahore, Ummarari (Nigéria), Iskandaria
(Iraque), Grand Bassam (Costa do Marfim), Ancara ou Peshawar.
Um total de 247 mortos em três continentes
durante duas semanas no passado mês de Março. Pessoas de 26 nacionalidades,
vítimas do terrorismo - 17 das quais sem ter sequer ultrapassado uma década de
vida. A mais velha contava 84 anos, as mais novas - três - ficaram por nascer.
Outros números trágicos: 1168 pessoas
perderam familiares muito próximos na barbárie daquelas duas semanas tão bem
documentada no artigo do Times. Duzentas e onze ficaram sem pai ou sem mãe, 78
nunca mais viram o marido ou a mulher.
Pessoas que - estas sim - merecem ver o nome
transcrito nos jornais.
Pessoas como nós, você que lê estas linhas ou
eu que agora as escrevo. Possíveis vítimas de um acto terrorista num amanhã
qualquer.
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