Porta-voz do Movimento dos Cidadãos
Conscientes Inconformados, Lesmes Monteiro, afirmou durante uma entrevista
[segunda e última parte] concedida ao semanário “O Democrata” para abordar o
atual situação de impasse político que se regista no país, que os atuais
líderes políticos têm medo do regresso de Carlos Gomes Júnior. Acrescentou
ainda que Carlos Gomes Júnior quer queiramos, quer não, contínua a ter um
carisma no seio da sociedade guineense, por isso representa uma ameaça aos
atuais líderes políticos.
O jovem ativista disse que não defende o
retorno de Carlos Gomes Júnior neste contexto de turbulência e de muita
indefinição, porque ele (Carlos Gomes Júnior) saiu em consequência de um golpe
de Estado e as forças que o obrigaram a sair ainda estão instaladas no país.
Sobre a possibilidade da convergência com o
movimento que representa e outros movimentos que têm surgido, sustentou que a
possibilidade é limitada neste contexto, na medida em que tem a ver com a
filosofia das pessoas, porque “para alguns movimentos, o Movimento de Cidadãos
Conscientes Inconformados é uma agenda política do PAIGC. Para outros, outros
movimentos são uma agenda política talvez de outros atores políticos e, outros
entendem que toda a classe política deve ir sentar-se em casa”.
O Democrata (OD): Há vozes que criticam que a
luta do movimento é direcionada contra o Presidente da República, uma vez que a
responsabilidade sobre a atual crise política é partilhada por toda a classe
política. Defendem, por isso, que o movimento deveria criticar também o PAIGC
como um dos responsáveis da crise. Concordas ou quer fazer um comentário sobre
isso?
Lesmes Monteiro (LM): Nós atribuímos no
passado a responsabilidade ao PAIGC e acho que as pessoas devem acompanhar o
processo. Somos a única organização que pronunciou-se e criticou a ocupação do
Palácio do Governo por parte do executivo de Carlos Correia, apoiado pelo
PAIGC. Criticámos aquela iniciativa do PAIGC e na altura dissemos que aquilo
era ilegal e deviam abandonar o Palácio Governo.
Em várias ocasiões apelamos à reconciliação
interna no PAIGC e o entendimento entre os políticos. Uma coisa é certa, neste
momento a conclusão que chegamos é que o Presidente da República tem o poder de
resolver esta crise. Não devemos ser também injustos até neste ponto, porque
todos nós sabemos que o PAIGC venceu a eleição.
O povo da Guiné-Bissau votou no projecto
político do PAIGC em 2014, portanto acho que não é justo relegar o PAIGC para a
oposição por causa de interesses mesquinhos. Não estamos a defender o PAIGC.
Qualquer pessoa que queira defender a democracia deve dizer ao Presidente que
este partido recebeu o voto do povo e tem que governar. Se dizer isso é
defender o interesse do PAIGC, então nós vamos continuar defender o interesse
do PAIGC.
Acreditamos que o grande problema da
Guiné-Bissau tem sido a instabilidade política e a instabilidade política tem
surgido devido a quedas frequentes de governos. Como é que se pode justificar
que um país como a Guiné-Bissau, com um atraso enorme em termos do
desenvolvimento, troque de primeiro-ministro de seis em seis meses, será que
isso é bom para o nosso país?
Temos cinco primeiro-ministros em dois anos e
meio praticamente. Se calcularmos a média, vamos ver que é um primeiro-ministro
em cada seis meses. E quiçá antes do fim de mandato podemos chegar a dez
primeiros-ministros…
OD: Surgiram nos últimos tempos vários
movimentos e há os que defendem a extinção de toda a classe política e levar o
país para uma transição. O movimento Cidadãos Conscientes Inconformados
partilha a mesma ideia ou tem uma visão diferente?
LM: Nós não defendemos essa ideia, porque
entendemos que não é realista. Como é que isto será materializado? Vai depender
da vontade dos atores políticos. É lógico que eles não vão concordar com essa
ideia. Os políticos não deixarão o poder para ir sentarem-se em casa. Aliás, se
os políticos forem para casa, quem governará?
A governação é para os políticos e as pessoas
devem deixar os políticos governar. A sociedade civil tem que fazer pressão
para condicionar a atuação dos políticos. Se uma pessoa, qualquer movimento ou
organização quer governar, tem que transformar-se em partido político. É isso
que nós temos a defender. É por isso que criticamos a postura da sociedade
civil em Conacry, que levou um nome como proposta ao cargo do
Primeiro-ministro.
Aquilo é ridículo e para nós a sociedade
civil não tem que fazer propor nome nenhum. A sociedade civil não tem que
governar. A sociedade civil tem que condicionar a atuação política e demostrar
aos políticos que o interesse superior do povo tem que ser colocado ao primeiro
plano. Para já, nós elogiamos esse aspecto de surgimento de movimentos nos
últimos tempos. No nosso entender, são iniciativas louváveis. Aliás, estamos
num país onde impera a liberdade e que permite a criação de movimentos.
O que nós lamentamos é o facto de, no seio da
juventude, está assistir-se a uma guerra pelo protagonismo. Quer dizer, algumas
pessoas que estiveram no nosso movimento no início, só pelo facto de não
concordarmos com a forma como queriam conduzir a manifestação, lembro que
alguns defendiam uma atuação violenta, o que a maioria dos responsáveis
entendeu que não podia ser em nenhuma circunstância, optando por uma luta na
base do civismo, abandonaram as nossas fileiras e decidiram criar outros
movimentos.
OD: O surgimento de mais movimentos é um
desafio aos cidadãos inconformados na corrida pelo protagonismo no cenário
político guineense ou consideram-nos como parceiros na luta para a mudança de
atitude dos políticos?
LM: Não estamos contra a ideia do surgimento
de movimentos e entendemos que até deveriam surgir mais, porque isso ajudará e
facilitará a nossa luta para a mudança da atitude dos políticos. Na semana
passada, tivemos num debate numa da estação emissora da capital com um dos
responsáveis de um recém-criado movimento, onde abordamos as questões dos
trabalhos desenvolvidos.
Se conseguirmos ter um espaço de debate para
os diferentes movimentos para podermos dar a nossa contribuição ou os nossos
pontos de vista, vamos enriquecer o debate cívico e até podemos convergir e ter
apenas uma única frente.
OD: Há a possibilidade da convergência dos
movimentos com visões ou objectivos totalmente diferentes?
LM: É limitada neste contexto, na medida em
que tem a ver com a filosofia das pessoas. Para alguns movimentos, o Movimento
de Cidadãos Conscientes Inconformados é uma agenda política do PAIGC. Para
outros, outro movimento é uma agenda política talvez de outros atores políticos
e, outros entendem que toda a classe política deve ir para casa.
Se isso materializar-se, nós apoiaremos sem
problemas, porque temos um sistema muito viciado. O facto é que aquela
pretensão não é realista…
OD: O Movimento de cidadãos defende também
que a classe política falhou?
LM: A classe política guineense falhou… como
é que se justifica a situação da extrema pobreza em que vivemos e as enormes
dificuldades nos sectores da educação, saúde e outros sectores?
Como é que se justifica que um país, com 43
anos da independência, não consegue ter uma universidade pública de qualidade?
Os nossos estudantes têm que se deslocar para estrangeiro e os capitais dos
pais têm que ser transferidos para o estrangeiro.
OD: O que é preciso fazer para ultrapassar a
situação que se vive no país?
LM:É preciso intensificar a pressão sobre os
atores políticos. Os intelectuais e os jovens têm que entrar para a política,
porque se ficarmos fora, vamos continuar ser dirigidos por pessoas que talvez
não são melhores do que nós. Em vez de estarmos a criticar que o fulano ou
beltrano não tem nível, nós que temos nível devemos entrar na política para
ajudar a melhorar as coisas.
Estando dentro, estaríamos em condições de
ajudar a melhorar as coisas, sobretudo a trabalhar para formalizar projectos de
desenvolvimento. A maior verdade é que não se pode mudar um sistema estando do
lado de fora. É preciso estarmos do lado de dentro para ajudar na mudança do
sistema. Os jovens e todos aqueles os que acreditam que têm alguma coisa para
Guiné-Bissau, sobretudo os que têm espirito patriótico e que acreditam que
podem mudar alguma, têm que entrar no sistema e só assim é que podemos mudar.
Não defendemos em nenhuma altura o uso da
violência para mudar as coisas e muito menos golpes de Estado. Acreditamos que
a mudança tem que ser paulatinamente. A nossa visão é de não violência.
OD: Há um movimente que defende o regresso
dos políticos exilados, sobretudo de Carlos Gomes Júnior. Cidadãos
inconformados defendem o regresso de Carlos Gomes Júnior ao país?
LM: Na verdade não temos uma posição
consertada sobre esse assunto, mas defendemos que qualquer guineense tem o
direito de viver no seu país e aquilo é o básico em qualquer Estado de direito
democrático. Não podemos desligarmo-nos do contexto em que determinadas
situações ocorreram.
Pessoalmente, não defendo o retorno de Carlos
Gomes Júnior neste contexto de turbulência e de muita indefinição. Ele saiu
devido a um golpe de Estado e as forças que o obrigaram sair ainda estão
instaladas no país. Quer dizer que devemos trabalhar para que não haja
instabilidade ou a perturbação, mas é bom que todos trabalhem para que a
situação não descambe e ganhe contornos imprevisíveis. Esta é a minha opinião e
não a do movimento. É bom ressalvar que qualquer guineense tem o direito de
viver no seu país, independentemente das circunstâncias.
OD: O regresso de Carlos Gomes Júnior pode
criar situações complicadas no país?
LM: Na minha opinião sim, porque a força que
obrigou o Cadogo Júnior a sair do país por causa de um golpe de Estado ainda
está cá e com um certo poder a nível da estrutura do Estado. Outra questão é o
desequilíbrio, ou seja, o medo e a incerteza que os atuais líderes políticos
podem ter em relação ao seu regresso e, principalmente o Presidente da
República.
Creio que o Carlos Gomes Júnior não vai
querer candidatar-se ao cargo do primeiro-ministro, é minha opinião. Outra
coisa também é que o presidente do PAIGC vai sentir algum medo, porque o Carlos
Gomes Júnior, quer queiramos, quer não, ele continua a ter um carisma no seio
da sociedade guineense, ou melhor, tem uma força tremenda no país, da parte da
população.
Se não fosse o aspecto da instabilidade que o
seu regresso poderia causar ao país, eu defenderia a estabilidade e a paz
social acima de tudo. Creio que ele pode voltar enquanto cidadão. O certo é que
o retorno dele neste momento pode provocar situações imprevisíveis, porque já
temos lições do passado, por exemplo, com o antigo Presidente João Bernardo
“Nino” Vieira. Temos que apreender com a história, portanto devemos esperar o
momento oportuno para tomarmos certas decisões.
Queremos aproveitar esta ocasião para
afiançar às pessoas que acreditam nesta causa que nós não vamos desarmar.
Compreendemos os riscos, não obstante as que
o que estão nos a fazer, por causa da nossa Guiné-Bissau. Sabemos que estamos a
defender uma causa justa. Acreditamos que alguma coisa deve ser feita para que
o cenário possa mudar e até aqui conseguimos um ganho significativo, porque
houve um despertar de consciência dos cidadãos guineenses que agora ganham a
coragem e vontade para reivindicar os seus direitos.//Odemocrata
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