segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Movimento dos Cidadãos Conscientes Inconformados: Lesmes Monteiro afirma que actuais líderes políticos têm medo do regresso de Carlos Gomes Júnior

Porta-voz do Movimento dos Cidadãos Conscientes Inconformados, Lesmes Monteiro, afirmou durante uma entrevista [segunda e última parte] concedida ao semanário “O Democrata” para abordar o atual situação de impasse político que se regista no país, que os atuais líderes políticos têm medo do regresso de Carlos Gomes Júnior. Acrescentou ainda que Carlos Gomes Júnior quer queiramos, quer não, contínua a ter um carisma no seio da sociedade guineense, por isso representa uma ameaça aos atuais líderes políticos.

O jovem ativista disse que não defende o retorno de Carlos Gomes Júnior neste contexto de turbulência e de muita indefinição, porque ele (Carlos Gomes Júnior) saiu em consequência de um golpe de Estado e as forças que o obrigaram a sair ainda estão instaladas no país.

Sobre a possibilidade da convergência com o movimento que representa e outros movimentos que têm surgido, sustentou que a possibilidade é limitada neste contexto, na medida em que tem a ver com a filosofia das pessoas, porque “para alguns movimentos, o Movimento de Cidadãos Conscientes Inconformados é uma agenda política do PAIGC. Para outros, outros movimentos são uma agenda política talvez de outros atores políticos e, outros entendem que toda a classe política deve ir sentar-se em casa”.

O Democrata (OD): Há vozes que criticam que a luta do movimento é direcionada contra o Presidente da República, uma vez que a responsabilidade sobre a atual crise política é partilhada por toda a classe política. Defendem, por isso, que o movimento deveria criticar também o PAIGC como um dos responsáveis da crise. Concordas ou quer fazer um comentário sobre isso?

Lesmes Monteiro (LM): Nós atribuímos no passado a responsabilidade ao PAIGC e acho que as pessoas devem acompanhar o processo. Somos a única organização que pronunciou-se e criticou a ocupação do Palácio do Governo por parte do executivo de Carlos Correia, apoiado pelo PAIGC. Criticámos aquela iniciativa do PAIGC e na altura dissemos que aquilo era ilegal e deviam abandonar o Palácio Governo.

Em várias ocasiões apelamos à reconciliação interna no PAIGC e o entendimento entre os políticos. Uma coisa é certa, neste momento a conclusão que chegamos é que o Presidente da República tem o poder de resolver esta crise. Não devemos ser também injustos até neste ponto, porque todos nós sabemos que o PAIGC venceu a eleição.

O povo da Guiné-Bissau votou no projecto político do PAIGC em 2014, portanto acho que não é justo relegar o PAIGC para a oposição por causa de interesses mesquinhos. Não estamos a defender o PAIGC. Qualquer pessoa que queira defender a democracia deve dizer ao Presidente que este partido recebeu o voto do povo e tem que governar. Se dizer isso é defender o interesse do PAIGC, então nós vamos continuar defender o interesse do PAIGC.

Acreditamos que o grande problema da Guiné-Bissau tem sido a instabilidade política e a instabilidade política tem surgido devido a quedas frequentes de governos. Como é que se pode justificar que um país como a Guiné-Bissau, com um atraso enorme em termos do desenvolvimento, troque de primeiro-ministro de seis em seis meses, será que isso é bom para o nosso país?

Temos cinco primeiro-ministros em dois anos e meio praticamente. Se calcularmos a média, vamos ver que é um primeiro-ministro em cada seis meses. E quiçá antes do fim de mandato podemos chegar a dez primeiros-ministros…

OD: Surgiram nos últimos tempos vários movimentos e há os que defendem a extinção de toda a classe política e levar o país para uma transição. O movimento Cidadãos Conscientes Inconformados partilha a mesma ideia ou tem uma visão diferente?

LM: Nós não defendemos essa ideia, porque entendemos que não é realista. Como é que isto será materializado? Vai depender da vontade dos atores políticos. É lógico que eles não vão concordar com essa ideia. Os políticos não deixarão o poder para ir sentarem-se em casa. Aliás, se os políticos forem para casa, quem governará?

A governação é para os políticos e as pessoas devem deixar os políticos governar. A sociedade civil tem que fazer pressão para condicionar a atuação dos políticos. Se uma pessoa, qualquer movimento ou organização quer governar, tem que transformar-se em partido político. É isso que nós temos a defender. É por isso que criticamos a postura da sociedade civil em Conacry, que levou um nome como proposta ao cargo do Primeiro-ministro.

Aquilo é ridículo e para nós a sociedade civil não tem que fazer propor nome nenhum. A sociedade civil não tem que governar. A sociedade civil tem que condicionar a atuação política e demostrar aos políticos que o interesse superior do povo tem que ser colocado ao primeiro plano. Para já, nós elogiamos esse aspecto de surgimento de movimentos nos últimos tempos. No nosso entender, são iniciativas louváveis. Aliás, estamos num país onde impera a liberdade e que permite a criação de movimentos.

O que nós lamentamos é o facto de, no seio da juventude, está assistir-se a uma guerra pelo protagonismo. Quer dizer, algumas pessoas que estiveram no nosso movimento no início, só pelo facto de não concordarmos com a forma como queriam conduzir a manifestação, lembro que alguns defendiam uma atuação violenta, o que a maioria dos responsáveis entendeu que não podia ser em nenhuma circunstância, optando por uma luta na base do civismo, abandonaram as nossas fileiras e decidiram criar outros movimentos.

OD: O surgimento de mais movimentos é um desafio aos cidadãos inconformados na corrida pelo protagonismo no cenário político guineense ou consideram-nos como parceiros na luta para a mudança de atitude dos políticos?

LM: Não estamos contra a ideia do surgimento de movimentos e entendemos que até deveriam surgir mais, porque isso ajudará e facilitará a nossa luta para a mudança da atitude dos políticos. Na semana passada, tivemos num debate numa da estação emissora da capital com um dos responsáveis de um recém-criado movimento, onde abordamos as questões dos trabalhos desenvolvidos.

Se conseguirmos ter um espaço de debate para os diferentes movimentos para podermos dar a nossa contribuição ou os nossos pontos de vista, vamos enriquecer o debate cívico e até podemos convergir e ter apenas uma única frente.

OD: Há a possibilidade da convergência dos movimentos com visões ou objectivos totalmente diferentes?

LM: É limitada neste contexto, na medida em que tem a ver com a filosofia das pessoas. Para alguns movimentos, o Movimento de Cidadãos Conscientes Inconformados é uma agenda política do PAIGC. Para outros, outro movimento é uma agenda política talvez de outros atores políticos e, outros entendem que toda a classe política deve ir para casa.

Se isso materializar-se, nós apoiaremos sem problemas, porque temos um sistema muito viciado. O facto é que aquela pretensão não é realista…

OD: O Movimento de cidadãos defende também que a classe política falhou?

LM: A classe política guineense falhou… como é que se justifica a situação da extrema pobreza em que vivemos e as enormes dificuldades nos sectores da educação, saúde e outros sectores?

Como é que se justifica que um país, com 43 anos da independência, não consegue ter uma universidade pública de qualidade? Os nossos estudantes têm que se deslocar para estrangeiro e os capitais dos pais têm que ser transferidos para o estrangeiro.

OD: O que é preciso fazer para ultrapassar a situação que se vive no país?

LM:É preciso intensificar a pressão sobre os atores políticos. Os intelectuais e os jovens têm que entrar para a política, porque se ficarmos fora, vamos continuar ser dirigidos por pessoas que talvez não são melhores do que nós. Em vez de estarmos a criticar que o fulano ou beltrano não tem nível, nós que temos nível devemos entrar na política para ajudar a melhorar as coisas.

Estando dentro, estaríamos em condições de ajudar a melhorar as coisas, sobretudo a trabalhar para formalizar projectos de desenvolvimento. A maior verdade é que não se pode mudar um sistema estando do lado de fora. É preciso estarmos do lado de dentro para ajudar na mudança do sistema. Os jovens e todos aqueles os que acreditam que têm alguma coisa para Guiné-Bissau, sobretudo os que têm espirito patriótico e que acreditam que podem mudar alguma, têm que entrar no sistema e só assim é que podemos mudar.

Não defendemos em nenhuma altura o uso da violência para mudar as coisas e muito menos golpes de Estado. Acreditamos que a mudança tem que ser paulatinamente. A nossa visão é de não violência.

OD: Há um movimente que defende o regresso dos políticos exilados, sobretudo de Carlos Gomes Júnior. Cidadãos inconformados defendem o regresso de Carlos Gomes Júnior ao país?

LM: Na verdade não temos uma posição consertada sobre esse assunto, mas defendemos que qualquer guineense tem o direito de viver no seu país e aquilo é o básico em qualquer Estado de direito democrático. Não podemos desligarmo-nos do contexto em que determinadas situações ocorreram.

Pessoalmente, não defendo o retorno de Carlos Gomes Júnior neste contexto de turbulência e de muita indefinição. Ele saiu devido a um golpe de Estado e as forças que o obrigaram sair ainda estão instaladas no país. Quer dizer que devemos trabalhar para que não haja instabilidade ou a perturbação, mas é bom que todos trabalhem para que a situação não descambe e ganhe contornos imprevisíveis. Esta é a minha opinião e não a do movimento. É bom ressalvar que qualquer guineense tem o direito de viver no seu país, independentemente das circunstâncias.

OD: O regresso de Carlos Gomes Júnior pode criar situações complicadas no país?

LM: Na minha opinião sim, porque a força que obrigou o Cadogo Júnior a sair do país por causa de um golpe de Estado ainda está cá e com um certo poder a nível da estrutura do Estado. Outra questão é o desequilíbrio, ou seja, o medo e a incerteza que os atuais líderes políticos podem ter em relação ao seu regresso e, principalmente o Presidente da República.

Creio que o Carlos Gomes Júnior não vai querer candidatar-se ao cargo do primeiro-ministro, é minha opinião. Outra coisa também é que o presidente do PAIGC vai sentir algum medo, porque o Carlos Gomes Júnior, quer queiramos, quer não, ele continua a ter um carisma no seio da sociedade guineense, ou melhor, tem uma força tremenda no país, da parte da população.

Se não fosse o aspecto da instabilidade que o seu regresso poderia causar ao país, eu defenderia a estabilidade e a paz social acima de tudo. Creio que ele pode voltar enquanto cidadão. O certo é que o retorno dele neste momento pode provocar situações imprevisíveis, porque já temos lições do passado, por exemplo, com o antigo Presidente João Bernardo “Nino” Vieira. Temos que apreender com a história, portanto devemos esperar o momento oportuno para tomarmos certas decisões.

Queremos aproveitar esta ocasião para afiançar às pessoas que acreditam nesta causa que nós não vamos desarmar.


Compreendemos os riscos, não obstante as que o que estão nos a fazer, por causa da nossa Guiné-Bissau. Sabemos que estamos a defender uma causa justa. Acreditamos que alguma coisa deve ser feita para que o cenário possa mudar e até aqui conseguimos um ganho significativo, porque houve um despertar de consciência dos cidadãos guineenses que agora ganham a coragem e vontade para reivindicar os seus direitos.//Odemocrata

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