Historicamente, a governação do PAIGC está repleta de tempestades (semeadas pelo próprio Partido), que contribuíram decisivamente para tornar a Guiné-Bissau no Estado falhado, que, agora, é (pelo menos, na óptica da Comunidade Internacional) - IBD
Como nasceu a presente crise, que a imposição de sanções parciais, por parte de uma pseudo-mediação, veio acirrar? Como emprenhou a bela Guiné-Bissau desta desgraçada e infâme criatura, cega, surda e tão feia? Quem fertilizou o embrião deste monstro insensível, que ameaça comer a própria mãe? Foi uma longa gestação, e ainda hoje estamos para saber quem é o verdadeiro pai. Por isso, resolvemos pedir uma análise ao ADN, para apurar as circunstâncias de tão funesta concepção.
No dia 23 de Dezembro de 2015, um grupo de 15
deputados do PAIGC, durante a votação do Orçamento e Programa de Governo para
2016 de Carlos Correia, optou pela abstenção, inviabilizando a proposta e
colocando em risco a continuidade do Governo. O PAIGC, na tentativa de impor as
suas posições recorrendo à política do facto consumado, ainda tentou esboçar
manobras interpretativas, invocando que a maioria simples era suficiente,
ensaiando teses que rapidamente caíram por terra, à luz do Artigo 88º do
Regimento da ANP, respectivamente ponto 1 que refere que as decisões "são tomadas
por maioria absoluta" e ponto 4 que prescreve que "as abstenções não
contam para o apuramento da maioria"; tentando confundir as pessoas entre
moção de confiança e de rejeição do Programa de Governo referidas no Artigo
141º.
Cipriano Cassamá, Presidente da Assembleia
Nacional Popular (ANP), num primeiro e grave precedente de desrespeito pelo
Regimento, foi sucessivamente adiando a marcação da nova sessão plenária para
além do prazo legal de 15 dias que prescreve o Artigo 142º do mesmo Regimento,
enquanto corriam em paralelo várias diligências para tentar reintegrar esses
deputados na bancada parlamentar do PAIGC, ou pelo menos alguns deles, minando
a coesão do seu grupo, na expectativa, sempre frustrada, de conseguir reunir a
maioria necessária, que garantisse a aprovação, evitando assim a queda do
Governo.
Ainda antes do fim do ano de 2015, surge pela
primeira vez a designação de "actual crise política", em entrevista
da RFI a Aristides Ocante da Silva, porta-voz dos dissidentes, intitulada
"PAIGC em guerra aberta". O entrevistado imputa a paternidade da
crise a DSP, a quem acusa de nepotismo e divisionismo, exigindo a sua demissão.
Faz ainda uma profecia: "Está a conduzir o Partido para uma situação
caótica, em que a própria sobrevivência do Partido poderá estar em causa",
referindo que "foram as próprias bases do Partido que entenderam que
Domingos Simões Pereira representa um perigo enorme e deve demitir-se".
Aristides Ocante da Silva antecipa ainda "um grave desaire no próximo
pleito eleitoral, se o PAIGC continuar a ser gerido como propriedade privada do
seu Presidente", a quem acusa igualmente de aliciamento e compra de
consciências.
No mesmo contexto, um editorial do semanário ODemocrata do qual se fazem alguns extractos: "A falência da liderança
visionária devido à anarquia vigente, o gritante défice de edifício
institucional, levarão sem sombra de dúvida o PAIGC rumo ao colapso final. O
PAIGC está refém de um sistema caduco. Nenhuma reforma terá sucesso com este
partido onde reinam bajulação, intrigas, arte de mentir, incompetência. É hora
de todos os guineenses terem a coragem de responsabilizar este gerador de
anarquia, de clientelismo e manipulação, pelo pesadelo que tem vindo a impor através
da manipulação e corrupção de palavras. A autodestruição será a única via da
reforma".
Entretanto, na impossibilidade de conseguir
cooptar alguns desses deputados, o PAIGC, num processo expedito, expulsa os 15
deputados que se haviam abstido. Na primeira semana do ano de 2016, Jorge
Herbert em artigo intitulado "PAIGC, solução ou problema para a
Guiné-Bissau" defendia que "A solução não passa por tecer alianças
com o Presidente da ANP, tentar confundir os deputados com votações de moção de
confiança versus programa do governo, ou provocar uma purga dentro do próprio
partido! Chegou a hora do PAIGC entregar o poder, passar para a oposição e
tentar fazer primeiro o trabalho de casa." Ora esse sempre foi o cerne do
problema, e aquilo que a intransigência de Domingos Simões Pereira, viciado na
histórica "constituição" autocrática de Partido único, nunca
permitiu.
Uma semana depois, em meados de Janeiro, em
nova tentativa de usurpação de competências, a Comissão Permanente da ANP tira
uma deliberação, que declarava a perda de mandato dos 15 deputados
abstencionistas (ficaria depois evidente que se tratara de um plano premeditado
para uma tentativa de golpe palaciano na sessão Plenária, entretanto marcada
para o dia 18 de Janeiro). A ANP não é uma repartição do PAIGC, a ponto de a
expulsão do Partido implicar, por simples efeito dominó, a expulsão do
hemiciclo. A argumentação era ridícula: considerava o PAIGC que os deputados
haviam perdido uma condição de elegibilidade, invocando que o actual Regimento
da ANP deixara de prever a figura de deputados independentes (supressão do
artigo 19º, que fora feita de forma perniciosa, fazendo baixar de um número
todos os artigos posteriores, o que motivou imensas confusões nas discussões,
pelas versões desencontradas, com acusações de erro a alguns comentadores de
boa fé, situação agravada pelo facto de a versão disponibilizada, por essa
altura, no site oficial da ANP, ser a desactualizada), logo tinham
obrigatoriamente de ser eleitos por Partidos.
A falácia era evidente. Os deputados haviam
sido eleitos na lista do PAIGC, fôra o Partido que os expulsara posteriormente.
Além disso, a fiscalização de elegibilidade, segundo o ponto 2 do Artigo 19º da
Lei Eleitoral invocada, competia ao Supremo Tribunal, no prazo de oito dias
subsequentes à apresentação da candidatura. Era impossível aplicar a lógica
retroactivamente. Mas também não colhia, pois a alínea c) do ponto 3 do Artigo
144º do Regimento continua a referir-se a deputados "que não pertençam a
nenhuma bancada parlamentar" (pelos vistos os conspiradores haviam-se
esquecido de verificar que todos os resquícios da anterior versão, tinham sido
apagados pela lei n.º 1/2010 de 25 de Janeiro), o que vai dar ao mesmo e, mesmo
se a Lei fosse omissa, tal não significaria que seria ilegal, podendo apenas
considerar-se um vazio jurídico. De forma nenhuma alguém que já estava em
funções podia ser afectado, pois elegibilidade é a capacidade para ser eleito,
e isso, já o tinham sido. Não bastando, tudo fora feito nas costas do PRS, que
imediatamente denunciou a ilegalidade da convocação da Comissão Permanente para
tal fim. Uma vez mais, a tentativa de colocar as pessoas perante o facto
consumado.
Quando voltou finalmente a ser reunida a
Assembleia, no dia 18 de Janeiro de 2016, todos se aperceberam que o atraso
verificado na convocação do Plenário, se tinha ficado a dever à intenção de
ganhar tempo para preparar o golpe, chamando os substitutos para ocupar o lugar
dos deputados dissidentes, após a sua expulsão sumária do Partido. Ora os
deputados são nominalmente votados e portanto os mandatos pertencem aos
deputados e não ao Partido, que os pode expulsar, mas não os pode obrigar a
votar contra a sua consciência. Nunca, na Guiné-Bissau, como nesse dia, se
tinha ofendido tão óbvia e ostensivamente a Lei, ao ponto de tentar revogar
mandatos unipessoais aos deputados. Num precedente semelhante, ocorrido em
2004, o PUSD expulsara oito deputados, por minarem a disciplina partidária
votando o Orçamento ao lado do PAIGC, exigindo a sua substituição nas Comissões
Parlamentares. Mas nunca colocou em causa o seu assento.
A reunião do Plenário decorreu nesse dia 18 de
Janeiro sob excepcionais medidas de segurança, com todos os deputados e membros
do Governo a serem sujeitos a uma cuidadosa revista. O Presidente Cipriano
Cassamá, tinha preparado uma lista de chamada, que, em vez dos deputados
empossados, continha os nomes dos seus substitutos. No entanto, ao verificar
que o Comissário da Polícia da Ordem Pública (POP), José António Marques, não
respeitara as instruções que dera na entrada, e optara por cumprir os
procedimentos legais, munindo-se do Boletim Oficial com o Regimento da ANP, que
no ponto 2 do artigo 13º, estipula que compete ao Plenário declarar a perda de
mandato de deputado, dando entrada aos 15, os quais haviam ocupado os seus
lugares, impedindo a consumação do golpe, anunciou a sua interrupção, invocando
«falta de condições de segurança», numa manifesta hipocrisia. Se até o
Primeiro-Ministro, apesar da sua idade avançada, fora revistado, para entrar no
hemiciclo! Todavia, as reuniões do plenário só podem ser interrompidas, nos
termos do art.º 69.º do Regimento da ANP, segundo o seu ponto 1, por motivos
muito específicos (que não se aplicavam) e nunca por mais de meia hora, segundo
o ponto 2.
No dia 28 de Janeiro, o PAIGC tentaria vencer
pelo cansaço. Reincidiu em nova tentativa do seu golpe palaciano, montando uma
farsa privada nas instalações da ANP, onde chamou os seus deputados, mais os 15
substitutos, depois de, recorrendo ao Ministro da tutela, ter substituído a
pedra no sapato, demitindo o Comissário que se limitara a cumprir
conscienciosamente com a Lei. Ora face à ausência do PRS e dos 15, não existia
obviamente quórum que permitisse abrir o Plenário, a quem compete empossar
substitutos (mesmo esquecendo todas as outras ilegalidades entretanto
cometidas). Pescadinha de rabo na boca. Efectivamente, se os deputados ainda
não tinham sido empossados, não podiam contar para esse quórum inicial que
permite começar com os trabalhos! Foi necessário o Presidente intervir em
comunicado, puxando dos seus galões, para colocar um ponto final na autista
fuga para a frente que o PAIGC teimava em impor, contra todas as evidências
legais. Foi necessário esperar mais três meses de tensões, para que o Supremo
Tribunal de Justiça reconhecesse, por uns concludentes 10 votos contra 1, de
que lado estava inequivocamente a razão, pelo acordão nº3/2016, o qual, aliás, o
PAIGC nunca deixou de contestar, insistindo nos seus argumentos.
No entanto, nunca mais Cipriano Cassamá aceitou
convocar a ANP. Mas poderá o Presidente da Assembleia bloquear a convocação do
Plenário? Analisemos a legislação.
Aquando da transição para o multipartidarismo,
a Guiné, ao ver-se confrontada com a necessidade de regular o funcionamento da
ANP, inspirou-se no modelo português. É necessário clarificar que há uma
premissa, sem a qual não se pode compreender nenhum dos regimentos. Não se trata
apenas do "espírito do legislador", mas sim de um pressuposto
implícito. Trata-se do princípio de que "o Plenário é soberano" (a
razão de o regimento ser omisso quanto aquela que parece uma trave-mestra, pode
prender-se com o facto de o original português ter sido redigido no imediato
pós o 25 de Abril, durante o processo revolucionário, em que tal noção era
considerada como um dado adquirido, quase um lugar comum). A ANP detém o poder
supremo, pois o Presidente da República ali é empossado e faz o seu juramento.
Ao contrário do Presidente, que é um órgão de soberania unipessoal, a
Assembleia é um órgão colectivo: quem decide é o Plenário como se pode
constatar em variados artigos do Regimento da ANP.
O artigo 63º (ponto 2) do regimento da ANP tem
uma redacção muito semelhante ao 59º do português: "Das deliberações da
Comissão Permanente (...) cabe recurso para o Plenário, que delibera em
definitivo." O próprio artigo 24º, restringe a competência do Presidente
da Mesa (ponto 1) respectivamente na alínea h) "sem prejuízo (...) do
direito de recurso ao Plenário" e insistindo na obrigação para o
Presidente de q) "Receber e encaminhar para o Plenário todos os recursos
interpostos contra as suas decisões e as da mesa". A superioridade hierárquica
do Plenário fica igualmente patente no artigo 64º que estipula "As
matérias fixadas pelo Plenário não podem ser preteridas". Embora o
Plenário seja igualmente referido no artigo 105º, nalguns casos, o regimento
guineense parece ter ido ainda mais longe que o português, no entendimento
tácito do Plenário, pois omite-o em várias circunstâncias, como no artigo 84º
(ponto 1) "Qualquer Deputado pode recorrer (para o Plenário) das decisões
do Presidente ou da Mesa", no 104º "Qualquer Deputado pode recorrer
(para o Plenário) da decisão do Presidente", ou no 141º (ponto 1)
"Até ao encerramento do debate pode qualquer Grupo Parlamentar propor (ao
Plenário) a moção de rejeição". São definidas, no artigo 56º (pontos 1 e
2) quatro sessões ordinárias de um mês, em Fevereiro, Maio, Junho e Novembro;
mas consagra igualmente que a Assembleia pode ser reunida "por iniciativa
do Presidente da República, da maioria dos deputados, do Governo ou da sua
Comissão Permanente". Para além disso, em relação à aprovação do Programa,
momento crucial para qualquer Governo, o artigo 139º prescreve que "se a
Assembleia não se encontrar em funcionamento efectivo é obrigatoriamente
convocada pelo Presidente" da ANP.
O Presidente da Assembleia Nacional Popular não
pode portanto assumir legalmente qualquer bloqueio do Plenário, pois não passa
de uma figura meramente instrumental, não possuindo legitimidade para se
substituir ao Plenário, baseado em interpretações formais de diligências
convocatórias. Muito menos pode, a título de Presidente da ANP, que se presume
imparcial na condução dos trabalhos, assumir ostensivamente, como o tem feito,
o papel de acérrimo militante e defensor da posição do seu Partido, o PAIGC,
como se depreende do espírito da redacção do artigo 24º alínea d) do Regimento,
que o obriga a ceder a presidência da mesa, e descer ao plenário como simples
deputado, caso pretenda intervir no debate político. O Presidente da ANP,
tornou-se assim o principal responsável pela criação e pela manutenção do
impasse criado, inviabilizando qualquer solução governativa e alimentando a
percepção da prevalência de uma crise política no país. Crise inteiramente
artificial e criada de todas as peças, pois à luz do Artigo 76º da nossa
Constituição, o Governo emana e responde politicamente perante o parlamento, considerado
o centro da vida política.
A situação interna foi-se deteriorando, com o
PAIGC a tentar encostar o Presidente da República à parede, insistindo em impor
o Primeiro-Ministro, invocando tratar-se do Partido mais votado para esta
legislatura. Lembre-se, em mais uma analogia com o sistema parlamentar
português, que é perfeitamente possível, como o demonstra o actual governo em
funções em Portugal, liderado por António Costa (com uma durabilidade que
ninguém lhe adivinhava, mesmo que se possa legitimamente duvidar do seu
mérito), que o Partido que venceu as eleições (PSD), possa não conseguir
governar, devido a arranjos pós-eleitorais, sem que estes sejam motivados pela
má-fé, mas simplesmente tomando por origem uma estratégia de alianças (neste
caso, incluindo o PS, o PCP e o BE). São as regras democráticas, no contexto do
jogo político. Discordem, chamem-lhe gerigonça, elejam um novo líder, façam
oposição ou o que muito bem entenderem, mas não têm legitimidade para
chantagear o povo, com frustrações pueris que inviabilizam o país, alheiam o
interesse público, conspiram para alienar a soberania nacional, e promovem a
traição à pátria.
Baciro Djá, o Primeiro-Ministro nomeado pelo
Presidente da República, deu entrada do Orçamento na ANP, conforme sua obrigação,
mas não lhe foi concedida oportunidade para votação, perante a manutenção do
bloqueio por parte de Cipriano Cassamá. O PAIGC, passado o prazo de 60 dias que
prescreve a Lei para a respectiva aprovação, passou a alardear a ilegalidade
desse Governo, olvidando o facto de que, se isso não acontecia, tal era
exclusivamente imputável à usurpação do Plenário por parte do Presidente da
ANP. Não passa de hipocrisia, querer invocar a consequência, omitindo a causa.
Devemos porventura considerar um herói aquele que alerta em altos gritos para
um fogo, sabendo que se trata do próprio incendiário, que o ateou?
Desde aí, o filme tem sido sempre o mesmo, e já
o conhecemos de cor e salteado. Entregues a mediações irresponsáveis e
terroristas, de ditadores que deveriam ser sancionados pelos instrumentos
legais comunitários sub-regionais de democracia, boa governança e de prevenção
de atentados aos direitos humanos. Ou seja, o aborto de Conacri, que convém
deitar fora, com as águas do parto. // A Verdade é como Malagueta.
Arde!
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