sábado, 25 de outubro de 2014

Guiné-Bissau, o peso da história

Por, Amine Michel Saad

ESTOU irreversivelmente convencido de que a felicidade dos indivíduos não depende só deles, mas também do ambiente social e político em que vivem e que influenciam, por vezes de forma positiva, por vezes de forma perniciosa. É assim que viver em democracia ou num Estado totalitário não é a mesma coisa. Viver num país estável ou num país em sobressaltos constantes, não é a mesma coisa. Não somos seres isolados numa bola de cristal: o mundo está em nós, como nós estamos no mundo.

Seguindo com assiduidade as notícias da nossa terra nos últimos anos, constatei que existe uma forte apetência para a evocação da essência da “luta de libertação nacional”, empreiteira do gérmen da nação guineense, edificadora do Estado da Guiné-Bissau e portadora de sonhos e utopias de construção de um país onde será bom viver! – Dizia Dom Hélder da Câmara que “Quando sonhamos sozinhos, é só um sonho; mas quando sonhamos juntos é o inicio de uma nova realidade.”

Apurei ainda que a avocação desse nosso passado recente, da nossa memória colectiva acontece em momentos de tensão social, e que essa evocação se solidificou na mente do guineense a partir do momento em que aquilatou que o presente se tornou madrasta e o futuro virou opaco e incerto.

Abalados e perturbados por acontecimentos que ciclicamente sacudiram o nosso país, o guineense acabou por se sentir invadido por sentimento de desamparo que se expressa na tentação compreensível para adoptar uma postura de indiferença ou de conformismo perante as ocorrências e actos de governação que determinam o seu futuro imediato.

A sensação generalizada hoje em dia é de que estão a viver num país de decepções e de desilusões. A culpa da nossa desgraça nacional é rejeitada a poderes invisíveis que parecem ditar nossas vidas e nosso futuro. É esta a verdade? Em todo o caso, algumas pessoas pensam que sim e desistem perante este sentimento de orfandade. Muitos combatentes da primeira hora pela liberdade e democracia já desistiram, achando-se impotentes perante essa corrente revanchista ao progresso e ao bem-estar.

Mas há também os que não se resignam. Mesmo nas horas de dúvida e angústia sobre o resultado e o sentido do seu esforço e do sacrifício consentido até aqui, conscientes de que a liberdade e a democracia exigem um esforço permanente e que “para se consumar a vitória do mal, basta que os homens de bem, nada façam!”

A verdade verdadeira é que essa luta para a construção do bem-estar é necessária e porventura seja a única “revolução permanente” que valha à pena: não podemos viver sem ideais e sem sonhar com um país “de verdade”, não com um país de faz-de-conta. Pois, “não existem países ricos nem países pobres, mas sim países bem-governados e países mal-governados.”

No caso guineense, o desenvolvimento social depende, em grande medida, desse compromisso individual e colectivo, assumido como fundamento e essência da gesta emancipadora do nosso povo. Infelizmente, o comprometimento com a “Unidade – Luta – Progresso” foi sol de pouca dura, rapidamente associado a atitudes e comportamentos onde prevaleceram os traços destruidores, como os do ressentimento, da exclusão, do declínio, da incapacidade de avançar e do perigoso silogismo ilustrado pela frase de Ivan Karamazov em “Os Irmãos Karamazov”, personagem de Fiodor Dostoiévski: "Se Deus não existe, então tudo é permitido", em vez da inclusão e solidariedade que serviram de seiva que alimentou a luta e deu dignidade à independência nacional.

Que fazer para reconciliar a sociedade guineense com o seu Estado e ultrapassar a indiferença popular perante os actos de governação?

- E se a kumsada da resposta consistisse simplesmente em admitir que ”há sonhos que devem ser ressonhados e projectos que não podem ser esquecidos”. Como por exemplo: ”As crianças são as flores da nossa luta e a razão principal do nosso combate”!


“A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular” - Salmo 117 [118] (AS)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.