ESTOU irreversivelmente convencido de que a felicidade
dos indivíduos não depende só deles, mas também do ambiente social e político
em que vivem e que influenciam, por vezes de forma positiva, por vezes de forma
perniciosa. É assim que viver em democracia ou num Estado totalitário não é a
mesma coisa. Viver num país estável ou num país em sobressaltos constantes, não
é a mesma coisa. Não somos seres isolados numa bola de cristal: o mundo está em
nós, como nós estamos no mundo.
Seguindo com assiduidade as notícias da nossa terra nos
últimos anos, constatei que existe uma forte apetência para a evocação da essência
da “luta de libertação nacional”, empreiteira do gérmen da nação guineense,
edificadora do Estado da Guiné-Bissau e portadora de sonhos e utopias de
construção de um país onde será bom viver! – Dizia Dom Hélder da Câmara que
“Quando sonhamos sozinhos, é só um sonho; mas quando sonhamos juntos é o inicio
de uma nova realidade.”
Apurei ainda que a avocação desse nosso passado
recente, da nossa memória colectiva acontece em momentos de tensão social, e
que essa evocação se solidificou na mente do guineense a partir do momento em
que aquilatou que o presente se tornou madrasta e o futuro virou opaco e
incerto.
Abalados e perturbados por acontecimentos que
ciclicamente sacudiram o nosso país, o guineense acabou por se sentir invadido
por sentimento de desamparo que se expressa na tentação compreensível para
adoptar uma postura de indiferença ou de conformismo perante as ocorrências e
actos de governação que determinam o seu futuro imediato.
A sensação generalizada hoje em dia é de que estão a
viver num país de decepções e de desilusões. A culpa da nossa desgraça nacional
é rejeitada a poderes invisíveis que parecem ditar nossas vidas e nosso futuro.
É esta a verdade? Em todo o caso, algumas pessoas pensam que sim e desistem
perante este sentimento de orfandade. Muitos combatentes da primeira hora pela
liberdade e democracia já desistiram, achando-se impotentes perante essa
corrente revanchista ao progresso e ao bem-estar.
Mas há também os que não se resignam. Mesmo nas horas
de dúvida e angústia sobre o resultado e o sentido do seu esforço e do
sacrifício consentido até aqui, conscientes de que a liberdade e a democracia
exigem um esforço permanente e que “para se consumar a vitória do mal, basta
que os homens de bem, nada façam!”
A verdade verdadeira é que essa luta para a construção
do bem-estar é necessária e porventura seja a única “revolução permanente” que
valha à pena: não podemos viver sem ideais e sem sonhar com um país “de
verdade”, não com um país de faz-de-conta. Pois, “não existem países ricos nem
países pobres, mas sim países bem-governados e países mal-governados.”
No caso guineense, o desenvolvimento social depende, em
grande medida, desse compromisso individual e colectivo, assumido como
fundamento e essência da gesta emancipadora do nosso povo. Infelizmente, o
comprometimento com a “Unidade – Luta – Progresso” foi sol de pouca dura,
rapidamente associado a atitudes e comportamentos onde prevaleceram os traços
destruidores, como os do ressentimento, da exclusão, do declínio, da
incapacidade de avançar e do perigoso silogismo ilustrado pela frase de Ivan
Karamazov em “Os Irmãos Karamazov”, personagem de Fiodor Dostoiévski: "Se
Deus não existe, então tudo é permitido", em vez da inclusão e
solidariedade que serviram de seiva que alimentou a luta e deu dignidade à
independência nacional.
Que fazer para reconciliar a sociedade guineense com o
seu Estado e ultrapassar a indiferença popular perante os actos de governação?
- E se a kumsada da resposta consistisse simplesmente
em admitir que ”há sonhos que devem ser ressonhados e projectos que não podem
ser esquecidos”. Como por exemplo: ”As crianças são as flores da nossa luta e a
razão principal do nosso combate”!
“A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra
angular” - Salmo 117 [118] (AS)
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